PERTO-LONGE

Ouço teus passos pela casa. Sinto teu cheiro na cama, nas toalhas, no meu travesseiro, no meu corpo. Quero dormir para esquecer você. Sonho com você. Tão perto, tão amável, tão carinhoso a me amar. Acordo. Você não está. Há um vazio imenso dentro de mim. Um oco que dói. Tento esquecer você, mas ouço tua chegada, lenta, mansa, tão presente. Vejo você em toda a casa. Ouço o som das cordas do violão e vejo os teus dedos longos a tocar uma linda canção para mim. É você aqui. Doce ilusão. Como algo tão presente não pode ser tocado? Carrego você comigo em todos os lugares que vou, mas você não sabe. Você não sente a minha dor. Não vê as lágrimas que marcam meu rosto. Olho para o céu e observo uma nuvem. Quero tocá-la, abraçá-la, sentir sua brancura nos meus braços. Ela vai se decompondo, passeando no céu azul, e aos poucos perdendo sua forma. É você. Perto-longe. Presente e intocável. É tão triste não poder tocar você. Era tudo tão eterno, tão incondicional, ninguém ou nada iria nos separar. Éramos uma só pessoa. Um só querer. Felizes, caminhávamos pelas ruas da cidade de mãos dadas. Você me protegia do vento, da chuva, do sol. Você me olhava com tanto carinho, com tanto querer, com tanto desejo. Você me contava histórias da sua vida. Dividia comigo a sua dor e a sua alegria. O mundo era nosso. Foi feito para nós. Nosso caminho era um só. O tempo nos afastou. Não sei como isso aconteceu. Não sei explicar o que aconteceu com tanto amor. A nuvem. A nuvem que se desmanchou com o vento e deixou pingos de chuva no meu rosto. E agora só chove. É um inverno intenso. Um frio que quebra meus ossos. Uma dor insuportável. Tento gritar, mas não consigo. Me sinto boba. Você não quer saber da minha dor. Você sumiu. Deixou lembranças para me fazer sofrer. Herança insuportável que não consigo me desfazer.